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Centopeia: descubra tudo sobre esse animal

A centopeia pertence ao grupo de animais invertebrados do filo dos artrópodes e da classe Chilopoda (quilópodes). Quilópodes é uma palavra grega que significa “quilo”= “mil” e “podos”= “patas”. Ou seja, é um grupo de animais que possui como característica principal, a grande quantidade de pernas articuladas.

Os quilópodes são pequenos, em geral medem de 2 a 7 cm de comprimento, e possuem o corpo composto por vários “anéis” interligados, apresentando um par de pernas por segmento. Os grupos de animais que representam os quilópodes são as centopeias e lacraias. Atualmente, existem quase 3 mil espécies de quilópodes.

A aparência repulsiva culturalmente percebida pela maioria dos seres humanos provavelmente é a razão pela qual as centopeias sejam consideradas como perigosas e quase sempre exterminadas.

lacraia

Centopeias são quilópodes, que significa “mil patas” (Foto: depositphotos)

Características da centopeia

São animais que apresentam corpo delgado, comprido, segmentado e achatado dorsoventralmente ou redondo, lembrando piolhos de cobra, de modo geral. Possuem uma cabeça bem diferenciada com um par de antenas articuladas e com mandíbulas, mas não existe uma diferenciação entre tórax e abdômen.

As centopeias geralmente têm coloração marrom, mas podem apresentar uma ampla variedade de cores, incluindo tonalidades claras de vermelho, preto, amarelo e verde ou até mesmo faixas azuis transversais em seu dorso.

Destaque para antenas e mandíbulas da centopeia

No primeiro segmento do corpo da centopeia estão as glândulas de peçonha – o aguilhão (Foto: depositphotos)

As centopeias possuem um par de pernas por segmento, cujo número varia de 15 a mais de 180. O último par de pernas é sensorial e defensivo e não locomotor, e os dois últimos segmentos do tronco não têm pernas. A maior centopeia, Scolopendra gigantea, chega a atingir quase 30 cm de comprimento.

Scolopendra gigantea

A Scolopendra gigantea pode atingir quase 30 cm de comprimento (Foto: depositphotos)

Alimentação

Os animais quilópodes são predadores ativos, carnívoros e se alimentam de pequenos artrópodes, vermes, insetos, como: besouros, larvas, minhocas, e até alguns pequenos vertebrados, como: aves, rãs e cobras. Todos esses animais são capturados vivos, imobilizados e inoculados por peçonha.

A presa é detectada e localizada por contato através das antenas, ou com as pernas e, então, é capturada e morta, ou atordoada com as garras de veneno. Certas espécies não se alimentam quando desprovidas de suas antenas.

A digestão acontece por um tubo que tem início na boca e termina no ânus. Os detritos passam do sangue, através das finas paredes dos túbulos de Malpighi para o lúmen, e depois para o intestino.

Trocas gasosas e excreção

As trocas gasosas são efetuadas através de um sistema traqueal. Há um par de espiráculos por segmento. O espiráculo, que não pode ser fechado, abre-se em um átrio revestido de pelos cuticulares (tricomas) que podem reduzir a dessecação ou impedir a entrada de partículas de pó.

Os tubos traqueais se abrem na base do átrio e terminam em pequenos tubos cheios de líquido que fornecem oxigênio diretamente para vários tecidos.

O sistema excretor dos quilópodes possui duas estruturas que filtram os líquidos corporais. Elas recebem o nome de Malpighi e apresenta uma ou duas aberturas para realizar a excreção.

Grande parte dos detritos nitrogenados é excretada como amônia e não como ácido úrico. As centopeias requerem ambiente úmido para manter um balanço hídrico apropriado, pois o tegumento não possui a cutícula cerosa dos insetos e aracnídeos.

Reprodução

Nos machos há de 1 a 24 testículos, localizados acima do intestino médio. Os testículos estão ligados a um único par de ductos espermáticos que se abrem através de um gonóporo mediano no lado ventral do segmento genital.

A transmissão de espermatozoides é indireta nos quilópodes. Em geral, o macho constrói uma pequena teia de fios de seda secretada por uma fiandeira localizada no átrio genital. Um espermatóforo é colocado na teia. A fêmea apanha o espermatóforo e o coloca na sua abertura genital. Os gonópodos de cada sexo auxiliam na manipulação do espermatóforo.

O macho geralmente só produz um espermatóforo ao encontrar a fêmea, e frequentemente há um comportamento inicial de corte. Este comportamento pode durar até uma hora antes do macho depositar o espermatóforo.

O macho então “sinaliza” para a fêmea ao tocar nas antenas dela e ela responde rastejando-se em direção ao macho e apanha o espermatóforo.

Acasalamento de centopeias

Após a corte, a fêmea rasteja em direção ao macho para realizar o acasalamento (Foto: depositphotos)

A peçonha da centopeia

No primeiro segmento do corpo da centopeia há uma estrutura chamada forcípula, onde estão as glândulas de peçonha – o aguilhão – aparelho inoculador de veneno. No Brasil, existem cerca de dez espécies cuja picada é temida, sendo as principais a Scolopendra viridicornis, S. subspinipes, Otostigmus scabricauda, Cryptops iheringi e Octocryptops ferrugineus. A S. viridicornis é a mais comum no nosso país.

O veneno das centopeias foi pouco estudado, mas sabe-se que, pelo menos em algumas espécies, contém proteínas, lipídios, lipoproteínas, histamina, hialuronidase, polipeptídeos e proteinases.

Geralmente a sintomatologia decorrente da picada de uma centopeia é apenas local, com dor instantânea, intensa, como se fosse uma queimação, que cessa em aproximadamente 24 horas, acompanhada de hiperemia e edema local.

Em casos mais raros pode ocorrer dor irradiada, necrose local, taquicardia, linfadenite e sintomas sistêmicos como febre, tremores, calafrios, sudorese, dispneia, cefaleia, vômito e ansiedade.

Grandes centopeias são geralmente temidas, mas o veneno da maioria delas, embora doloroso, não é suficientemente tóxico para ser letal ao ser humano.

Defesa

As centopeias também utilizam o veneno como mecanismo de defesa, podendo ser mortal para algumas espécies de animais e causando fortes dores e alergias para os seres humanos.

Órgãos sensoriais

Alguns habitantes das cavernas não possuem olhos e outros quilópodes possuem de poucos a muitos ocelos. Em algumas espécies, os ocelos estão agrupados e organizados de modo que formam olhos compostos. Entretanto, não há evidência de que esses olhos compostos funcionem mais do que na simples detecção do claro e escuro.

Um par de órgãos de Tomosvary está presente na base das antenas. Os poucos estudos sobre esses órgãos sugerem que eles detectam vibrações, talvez auditivas. O último par de pernas das centopeias tem uma função sensorial, elas estão modificadas para formar um par de apêndices anteniformes, dirigidos para trás.

Qual o habitat das centopeias?

O habitat dos quilópodes é principalmente em locais escuros e úmidos. Normalmente eles são encontrados embaixo de pedras, troncos, cascas de árvores, geralmente aquelas que estão em processo de apodrecimento, entulho de lixo e nas redes de esgoto. A maioria possui hábitos noturnos e vive na zona entremarés.

São animais solitários, representados por espécies que vivem em climas quentes. Em todo mundo, são conhecidas cerca de 1.100 espécies, mas as estimativas são de que existem aproximadamente 2.500. Para a região Neotropical há cerca de 200 espécies descritas, das quais 150 vivem no Brasil.

Os quilópodes se distribuem em cinco ordens: Geophilomorpha, Scolopendromorpha, Lithobiomorpha, Scutigeromorpha e Craterostigmomorpha (esta presente apenas na Tasmânia e Nova Zelândia).

Importância

As centopeias cumprem um papel decisivo na natureza ao controlar espécies de insetos das quais se alimentam. Apesar da visão negativa prevalecer na relação cultural ser humano/quilópodes, observa-se que as centopeias vêm desempenhando papéis significativos na medicina, religião, literatura, mitologia, artes gráficas e plásticas, recreação e alimentação de quase todas as sociedades humanas.

Nas práticas médicas tradicionais, a centopeia é um recurso zooterápico recomendado para o tratamento de diferentes enfermidades. Na antiguidade, o linimento de centopeia era um dos remédios comuns para tratar problemas de garganta.

Na Europa, a infusão de pequenas centopeias em vinho era um bom remédio contra a icterícia e a retenção de urina. O medicamento homeopático Scolopendra obtido da centopeia asiática é recomendado para o tratamento de dor ciática.

Na Coreia do Sul, a Scolopendra é utilizada para curar problemas nas articulações, pernas e pés. Também são recomendadas para o tratamento de derrame, convulsões, tétano, laringite, carbúnculo, mordida de cobra e inchaços.

Pesquisas medicinais

Algumas pesquisas apontam a importância desses animais para o tratamento de algumas doenças. Pesquisas clínicas e farmacológicas registraram efeitos anticonvulsivante e antineoplásico, uma vez que as preparações de Scolopendra inibiram convulsões geradas por estricnina e pentilenetetrazol em animais de laboratório, assim como inibiram o crescimento de diversas células neoplásicas in vitro. 

Também foram obtidos efeito antifúngico e bons resultados contra a difteria. Deve-se esperar a descoberta de algum novo antibiótico, uma vez que as fêmeas de algumas espécies cobrem a massa de ovos com uma secreção fungicida.

As centopeias e a cultura

No Egito Antigo, a centopeia era símbolo do deus Sepa, um deus funerário venerado em Heliópolis e invocado contra os animais malignos e os inimigos dos deuses. A centopeia era considerada um animal da terra, enquanto a serpente pertencia ao céu. Era também um hieróglifo nos textos das pirâmides.

A cultura maia também venerava esse animal. No Japão, a centopeia gigante forma parte de algumas lendas samurais. Em Barbados, acredita-se que, quando uma centopeia cruza o caminho de alguém, significa que o indivíduo tem um inimigo e, portanto, o animal deve ser morto.

Também é costume crer que conversas sobre centopeias podem encorajá-las a invadir residências.

Referências

» BARROSO, Eduardo et al. Centipede accidents notified, Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 34, n. 6, p. 527-530, 2001.

» AGUIRRE, Elisa Chaparro. Estudo da resposta imune inata em quilópodes (Scolopendromorpha Myriapoda). 2017. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

» CHAGAS JÚNIOR, Amazonas. Revisão das espécies neotropicais de Scolopocryptopinae (Chilopoda: Scolopendromorpha: Scolopocryptopidae). 2003.

Sobre o autor

Natália Duque é Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.