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Especiação: o que é quais os tipos

A formação de novas espécies é chamada especiação. Uma espécie é concebida por um grupo de populações capazes de se cruzar e gerar descendentes férteis, mas que não são aptos a cruzarem com outros grupos.

Esse conceito biológico de espécie não se aplica aos organismos fósseis e aos seres que se reproduzem assexuadamente, como as bactérias. Embora esses micro-organismos possam trocar material genético por conjugação, esse processo é bem diferente de um cruzamento e não possibilita identificar uma espécie.

Nesses casos, podem ser usados critérios de semelhanças morfológicas (por exemplo, para classificar fósseis) ou genéticas (pela análise do DNA)  .

Há outras formas de caracterizar uma espécie, como o conceito filogenético de espécie, que define a espécie como o menor grupo de indivíduos que compartilham um ancestral comum mais exclusivo.

Teorias da especiação

Cavalo e burro juntos no pasto

A especiação é a formação de uma nova espécie e sua classificação (Foto: depositphotos)

Nas teorias de evolução desde Darwin, propunha-se basicamente que a especiação fosse um evento lento e gradual que ocorre pelo acúmulo de pequenas mudanças ao longo do tempo, falando-se em gradualismo.

Em 1972, dois cientistas estadunidenses, Stephen Jay Gould e Niles Eldredge, propuseram a teoria do equilíbrio pontuado, uma nova maneira de entender a especiação. Ambos questionaram o porquê não conseguiam encontrar no registro fóssil as mudanças graduais nos organismos que sempre se acreditou que ocorressem na evolução.

Os biólogos tradicionalmente atribuíam tais dificuldades em encontrar formas intermediárias ao fato dos registros fósseis serem incompletos e falhos. 

Tipos de especiação

Existem dois tipos principais de processos que podem levar a formação de novas espécies: a especiação alopátrica ou geográfica e a especiação simpátrica.

Especiação alopátrica

Especiação alopátrica: (do grego: allos = outro; patrã = pátria) ocorre quando uma barreira geográfica separa uma população inicial em duas. As barreiras geográficas podem surgir em decorrência de eventos geológicos como terremotos, formação de montanhas etc.

Essas variações podem definir o aparecimento de faixas de território em que a permanência dos indivíduos da população inicial torna-se impossível, separando-a em duas ou mais. Quando isso ocorre, essas faixas desfavoráveis são denominadas barreiras ecológicas ou barreiras geográficas.

As barreiras ecológicas impedem a troca de genes entre os indivíduos das populações por elas estarem separadas. Dessa maneira, novos alelos surgidos em uma das populações não são transmitidos para a outra.

Além disso, as condições do ambiente nas áreas separadas pela barreira dificilmente são as mesmas, o que acarreta em diferentes pressões seletivas. Quando as barreiras são muito grandes e as áreas de sobrevivência são muito pequenas, estas recebem o nome de refúgios.

O caso da raposa

Raposa do Ártico

As barreiras geográficas separaram uma população de raposas que gerou duas subespécies (Foto: depositphotos)

A raposa do Ártico é encontrada ao norte dos Estados Unidos, e a raposa cinzenta, na região sul. Análises genéticas mostram que essas duas espécies descendem de uma espécie ancestral de raposas.

Vamos supor que uma população inicial de raposas tenha se dividido em duas: uma delas migrou e chegou até o sul dos Estados Unidos; outra dirigiu-se para o norte da América do Norte. Durante esse período, as duas populações de raposas permaneceram isoladas, sem cruzamentos entre os indivíduos das duas populações (a própria distância faz com que o cruzamento seja muito difícil e ocorra raramente).

Nesse caso, cada população evoluirá separadamente, sem que haja intercâmbio de genes entre elas. O isolamento em condições ambientais diferentes, faz com que as mutações provocadas pelo ambiente também sejam distintas.

No caso das raposas, quanto maior a latitude, menor será a temperatura. Então as mutações que favoreçam a sobrevivência em regiões frias serão selecionadas positivamente (aumentarão de frequência na população).

Raposas do norte: pelagem mais densa, pernas, orelhas e caudas mais curtas (as extremidades do corpo perdem calor mais facilmente) etc.

Raposas do sul: ao contrário, tendem a ter pelagem menos densa e pernas, orelhas e caudas mais longas, que facilitam a perda de calor.

Duas raposas cinzentas

As raposas cinzentas têm o mesmo ancestral da raposa do Ártico (Foto: depositphotos)

O acúmulo seletivo de mutações pode fazer raposas do norte ficarem cada vez mais diferentes das raposas do sul. Essas diferenças se acumulam a ponto de determinar a criação de duas ou mais subespécies ou raças geográficas.

Especiação simpátrica

Especiação simpátrica (do grego: sym = junto; patrã = pátria) ocorre sem haver o isolamento geográfico. Em uma mesma população podem surgir mutações gênicas e modificações no comportamento que podem levar ao isolamento reprodutivo, formando novas espécies. 

Isolamento reprodutivo

As subespécies são originalmente populações da mesma espécie que vivem geograficamente isoladas e por isso acabam desenvolvendo diferenças genéticas. Apesar dessas diferenças, o cruzamento entre subespécies pode ocorrer. No entanto, esse evento é raro, porque as subespécies vivem em diferentes habitats.

Se o isolamento geográfico terminar em um intervalo de tempo não muito longo, como aconteceria se um rio que separa duas subespécies de ratos secasse, as mudanças genéticas ocorridas em uma população se espalhariam para as outras, e não teríamos mais duas subespécies.

Persistindo o isolamento geográfico por um grande período de tempo, chega-se a um ponto em que as diferenças genéticas impedem o cruzamento entre as populações, mesmo que o isolamento seja superado.

Quando, pelo isolamento geográfico, uma população se torna diferente da original e atinge um isolamento reprodutivo, dizemos que surgiu uma nova espécie (especiação). Isso provavelmente ocorreu com as duas populações de raposas: a raposa do Ártico pertence à espécie Vulpes logopus, e a raposa cinzenta, à espécie Urocyon cinereoargenteus.

Assim, os indivíduos de uma espécie estão isolados reprodutivamente dos indivíduos de outras espécies. Isso quer dizer que uma espécie não troca genes com outra, mesmo que elas habitem a mesma região. Em outras palavras, não há fluxo gênico entre duas espécies; os novos genes surgidos por mutação em uma espécie não passam para outra.

Populações reprodutivamente isoladas passarão a ter histórias evolutivas próprias e independentes de outras populações. Não havendo troca de genes, todos os fatores evolutivos que atuam sobre populações de uma espécie terão uma resposta própria.

Os mecanismos de isolamento reprodutivo não se referem apenas à esterilidade. Duas espécies podem viver na mesma área geográfica e não se cruzarem por fatores comportamentais, que impedem o fluxo gênico, não havendo relação com esterilidade.

Classificação do isolamento reprodutivo

Os mecanismos de isolamento reprodutivo podem ser classificados da seguinte maneira: mecanismos pré-zigóticos e mecanismos pós-zigóticos. 

Mecanismos pré-zigóticos

Sapo coaxando

Os sapos têm padrões de comportamento que atraem somente a sua espécie (Foto: depositphotos)

Mecanismos pré-zigóticos: impedem a fecundação. São eles:

  • Isolamento estacional: ocorre quando duas populações, mesmo ocupando o mesmo habitat, se reproduzem em épocas diferentes. É muito comum em plantas que florescem em épocas distintas do ano.
  • Isolamento de habitat ou ecológico: ocupação diferencial de habitats. Até meados do século XIX, leões e tigres eram comuns na Ásia (os leões asiáticos foram muito caçados; hoje eles existem apenas em uma área protegida na floresta de Gir, na Índia). Os dois animais não se cruzavam porque os leões asiáticos viviam nas savanas e os tigres, nas florestas.
  • Isolamento etológico: refere-se a padrões de comportamento, o que é importante no caso dos animais, pois envolve a produção e a recepção de estímulos que levam machos e fêmeas à reprodução. Um exemplo desse tipo de incompatibilidade comportamental levando ao isolamento reprodutivo são os sinais luminosos emitidos por vaga-lumes machos, cuja variação depende da espécie. A fêmea só responde ao sinal emitido pelo macho de sua própria espécie. Outro exemplo ocorre nos sapos: o coaxar dos machos é específico, pois atrai apenas fêmeas de sua espécie.
  • Isolamento mecânico: diferenças nos órgãos reprodutores, impedindo a cópula, ou seja, não existe “ajuste” entre as peças genitais dos parceiros por causa de diferenças anatômicas. Ocorre também em flores cujas partes estão adaptadas a polinizadores diferentes: um tipo de flor pode ser polinizado apenas por beija-flores, por exemplo, e outro tipo, apenas por abelhas.
  • Mortalidade gamética: fenômenos fisiológicos que impedem a sobrevivência de gametas masculinos de uma espécie no sistema genital feminino de outra espécie. 

Mecanismos pós-zigóticos

Mula pastando

As mulas são híbridos estéreis (Foto: depositphotos)

Mecanismos pós-zigóticos: relacionados ao que ocorre com o zigoto híbrido e o indivíduo que pode vir a ser formado a partir dele. São eles:

  • Mortalidade do zigoto: se ocorrer fecundação entre gametas de espécies diferentes, o zigoto poderá ser pouco viável, morrendo devido ao desenvolvimento embrionário irregular.
  • Inviabilidade do híbrido: indivíduos resultantes do cruzamento entre seres de duas espécies são chamados híbridos interespecíficos. Embora possam ser férteis, são inviáveis por serem menos eficientes na obtenção de recursos e no sucesso reprodutivo.
  • Esterilidade do híbrido: a esterilidade do híbrido pode ocorrer pela presença de gônadas anormais ou problemas decorrentes da meiose anômala. Também pode haver outras alterações, como desenvolvimento anormal do fuso mitótico, que prejudica o movimento dos cromossomos em direção aos polos da célula. É o caso da mula (fêmea) ou burro (macho), híbridos estéreis resultantes do cruzamento entre o jumento (também conhecido como asno ou jegue) e a égua. Quando ocorre o cruzamento entre o cavalo e a jumenta, nasce o híbrido estéril (macho ou fêmea). Embora a maioria dos híbridos seja estéril, há registros raros de mulas e burros férteis.
Referências

» BELLINI, Luzia Marta. Avaliação do conceito de evolução nos livros didáticos. Estudos em avaliação educacional, v. 17, n. 33, p. 7-28, 2006.

» COLLEY, Eduardo; FISCHER, Marta Luciane. Especiação e seus mecanismos: histórico conceitual e avanços recentes. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 20, n. 4, p. 1671-1694, 2013.

» RIDLEY, Mark. Evolução. Artmed Editora, 2009.

Sobre o autor

Natália Duque é Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.