Lenda do Saci-Pererê

A lenda do Saci-Pererê é uma das mais famosas do folclore brasileiro. Assim como as demais lendas da cultura popular, ela é antiga e foi sendo passada de geração em geração. A origem provável dessa história é a Região Sul do país, em terras indígenas.

Mas um fato curioso é que apesar da lenda ter surgido no Sul do Brasil, foi o Norte que deu fama ao negrinho de uma perna só. Isso porque, os sulistas tratavam o personagem apenas como um menino brincalhão que gostava de enganar as pessoas.

Entretanto, quando essa lenda chegou à Região Norte do Brasil, a figura principal ganhou contornos e descrições mais ligadas à cultura africana. E é sobre ela que falaremos agora neste artigo. Por isso, confira a seguir um pouco mais sobre a história do Saci, as características físicas desse personagem e a importância dessa figura folclórica.

História da lenda do Saci-Pererê

A história do Saci-Pererê é uma das poucas lendas do folclore brasileiro que apresenta um personagem leve e divertido. Enquanto que as outras lendas tratam de personagens assombrosos, com os objetivos de causar medo e alertar os moradores de determinadas regiões, o saci tem características engraçadas.

Sua principal atuação é pregar peças nas pessoas, por isso ele costuma esconder objetos somente para ver as pessoas confusas. E foi dessa forma que se tornou uma figura carismática da cultura popular.

A história do Saci-Pererê ganhou características africanas na Região Norte do Brasil (Foto: depositphotos)

Já quando a população do Norte do Brasil adotou a lenda do Saci-Pererê, ela agregou algumas características africanas para o personagem. Além disso, foram incorporados alguns adereços e aspectos físicos à figura principal dessa história. Sendo assim, confira algumas peculiaridades do Saci a seguir:

Saci-Pererê tem uma perna só

Como o Saci tem uma única perna, foi necessário criar uma explicação para essa característica tão marcante do personagem. Por isso, histórias afirmam que ele teria perdido um dos seus membros inferiores em uma luta de capoeira, expressão cultural desenvolvida pelos negros no Brasil durante a época da escravidão.

De acordo com pesquisas históricas, a prática teria surgido no final do século 16, no estado de Pernambuco. Entretanto, foi fortemente repreendida pelos portugueses, chegando até ser proibida. Mas como se tratava de uma expressão tão ligada às manifestações quilombolas, os negros continuavam a praticar de forma secreta e para disfarçá-la passaram a utilizar de música durante as lutas.

Uso do pito

Certamente, você já viu uma imagem do saci-pererê e percebeu que na sua boca sempre está um objeto pequeno que parece um cachimbo daqueles usados com fumo pelos mais antigos. O nome oficial do objeto é pito e realmente é uma espécie de cachimbo com origem africana.

Na África, esse instrumento é utilizado para fumar tabaco. Seu formato possui um fornilho, como é chamada a cavidade para queimar o fumo; há também um tubo que é onde se aspira. Além desse uso, o pito é utilizado em algumas culturas como acessório religioso, principalmente entre os índios mais antigos dos Estados Unidos.

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Trasgo na cabeça

Outra característica do personagem da cultura popular nacional, o Saci-pererê, é o trasgo. Apesar do nome diferente, certamente você sabe o que é. Trata-se de uma espécie de gorro na cabeça do negro de uma perna só.

Geralmente vermelho, esse acessório tem origem no folclore europeu, da região de Trás-os-Montes em Portugal. Nesse ponto, chama atenção a incorporação da cultura europeia também na lenda do Saci-Pererê. Mas é importante observar que as lendas do folclore brasileiro também remetem aos costumes de outros continentes.

É natural encontrarmos influências da mitologia grega, romana e até adaptações de outras histórias populares de países da Europa. Entretanto, os personagens e lendas são adaptados para ter mais características brasileiras.

Mas voltando ao trasgo, ele tem o mesmo nome de personagens folclóricos da cultura portuguesa. Esses seres seriam encantados e viviam ao norte do país lusitano. Suas características físicas eram: pequenos e com poderes mágicos. Então esse trasgo seria o responsável pelos encantamentos do Saci-Pererê, o qual tem o poder de fazer desaparecer coisas e encontrá-las também.

No entanto, quando o assunto é o poder desse personagem folclórico, há também outra possível origem, dessa vez no Velho Continente. A menção é feita por alguns pesquisadores que atribuem o uso de poderes sobrenaturais do Saci graças ao personagem mitológico de Roma chamado de Petrônio. Também conhecido como Satiricon, ele também possuía tais efeitos.

Assobio

Além das características físicas e atributos da sua aparência, o Saci-Pererê tem uma característica bem peculiar: ele usa o assobio para confundir suas vítimas. Mas a origem desse hábito ainda não é identificada pelos estudiosos.

Mesmo assim, sabe-se que o folclore popular atribui ao personagem essa característica quando uma pessoa está perdida na floresta. Assim, ela acaba escutando e acreditando que são “assobios assustadores”. Na verdade, enquanto a vítima morre de medo, o Saci se diverte.

Personalidade do personagem

Como dito anteriormente, a personalidade do Saci-Pererê é bem controversa. Isso porque, algumas pessoas até o tratam como sendo um personagem malvado que se diverte com o sofrimento alheio. Entretanto, a grande maioria dos contadores de história e estudiosos da cultura popular brasileira acredita que o personagem é mais brincalhão.

Mas de uma maneira geral, ele é um personagem que apronta “peças” com as pessoas. Por exemplo, ele pode queimar a comida da panela, enquanto observa a reação do cozinheiro. Além disso, ele costuma derrubar água e colocar fogo em alguns lugares. Também pode esconder objetos ou levar as pessoas para se perderem no meio da mata.

Presença desse ser mágico

Para saber se um Saci-Pererê está perto ou longe, é preciso observar o tempo. Se algum redemoinho aparecer, é sinal de que ele está bem próximo. Redemoinhos são semelhantes ao tornado, porém mais fracos. Trata-se da junção da poeira que se levanta em dias quentes e sem ventos. A ciência explica que quando o chão de areia se aquece e transfere o calor para o ar parado, acaba ocorrendo o redemoinho por conta da elevação do ar.

Diante isso, forma-se uma espécie de cone com um centro de baixa pressão. Isso levanta a poeira do chão e forma-se um funil de vento, ar quente e poeira. Então, na presença desse fenômeno, a lenda diz que é sinal de o Saci-Pererê está se aproximando e vai “aprontar” uma das suas peripécias.

De acordo com a lenda, existem duas formas de fazê-lo ir embora. A primeira delas é jogando uma faca dentro do redemoinho. Já a segunda, é falando o nome dele em voz alta, isso porque ele não gosta de ser reconhecido.

Mas caso a pessoa tenha um encontro frente à frente com o personagem, deve-se tentar tirar o trasgo de sua cabeça. Esse é o único jeito de quebrar os poderes sobrenaturais do Saci, pois é justamente esse acessório o responsável pela magia do negrinho travesso.

Depois disso, o jeito é prendê-lo dentro de uma garrafa. Isso só é possível pois o Saci-Pererê é um ser encantado bem pequenino, cabendo na palma da mão do homem. Além desse método, há outra forma de capturá-lo usando uma peneira. Assim, enquanto acontece o redemoinho, é preciso jogar o utensílio bem no meio, transformando-o em uma espécie de grade que aprisionaria o ser mágico.

Porém, graças à sua personalidade traiçoeira, o homem que assim o prender, ficará na mira do personagem. Certamente, ao conseguir fugir da garrafa ou das grades da peneira, ele vai tentar se vingar do seu algoz pregando-lhe muitas travessuras.

Veja também: Mito e lenda

Saci-Pererê e Monteiro Lobato

Se o Saci-Pererê já era um personagem popular, isso se intensificou quando ele foi “adotado” por Monteiro Lobato. A lenda do saci-pererê se limitava à cultura nortista do país, até que o célebre escritor, contista, ensaísta e tradutor brasileiro escreveu um livro sobre ela.

Lobato possui uma extensa obra de livros infantis, como Pica-pau amarelo de 1939 ou Narizinho de 1931. Conheça algumas das obras de Monteiro Lobato que exaltam o personagem e lenda do Saci-Pererê:

O Saci de 1921

O personagem Saci-Pererê é retratado nessa obra de Monteiro Lobato. A sinopse do livro descrita pela Amazon, que comercializa uma edição de luxo com capa dura, refere-se ao livro como um clássico da literatura infantil.

A sinopse diz: ”O saci resgata no nosso próprio folclore o mito da figura enigmática de um duendezinho de uma perna só que entrou para o imaginário da infância brasileira. A narrativa revela lendas curiosas sobre os nascimentos dos sacis, histórias sobre a mula sem cabeça, o lobisomem, o boitatá, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, e a sereia Iara”.

A figura do Saci ganhou mais destaque com a literatura de Monteiro Lobato (Foto: Amazon)

Nesse livro, Lobato narra o encontro do menino Pedrinho, neto de Dona Benta, com o personagem do folclore nacional. No entanto, o mais incrível é que eles tornam-se grandes amigos. Sobre isso, a sinopse da Amazon revela: “de maneira surpreendente, o encontro com o saci se torna muito mais do que a prova da coragem de Pedrinho, e se transforma em uma grande amizade permeada por conversas sobre a vida, ao lado de seres fantásticos do folclore brasileiro”.

O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito

Enquanto o livro citado anteriormente é uma obra voltada para o lúdico e para a público infantil, o “Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito” é voltado para o estudo do personagem folclórico popular. Ele foi escrito antes do outro livro se tornar sucesso entre a público infanto-juvenil, em 1918, e é aclamado por especialistas.

A Saraiva que comercializa a obra, trata na sinopse como “uma investigação acerca da real identidade da conhecida figura do nosso folclore. Por meio de diversos depoimentos vindo de todas as partes do Brasil sobre as características do Saci, Lobato traça neste livro muito mais que o perfil desta figura folclórica, mas sim um retrato do próprio brasileiro da época”.

Já a Amazon lembra também que essa pesquisa foi feita por Monteiro Lobato quando ele trabalhava na publicação chamada “Estadinho”, uma versão da tarde do jornal O Estado de S. Paulo. Para seu trabalho, ele colheu vários depoimentos que foram publicados ao longo de uma temporada no jornal em circulação.

E foi esse material que deu vida ao primeiro livro oficial que trata do Saci-Pererê. Em o “Resultado de um inquérito”, Lobato nem se quer assinou a primeira edição. Para ele, a obra era um estudo feito por vários pesquisadores e o seu papel era apenas reuni-los.

Veja também: Biografia de Monteiro Lobato

Dia do Saci-Pererê

Você sabia que existe o Dia do Saci-pererê? Além do Dia do Folclore comemorado sempre no dia 22 de agosto, foi criado também o Dia do Saci-Pererê. A lei é a nº 2.762, de 2003, que posteriormente foi incorporada a lei nº 2.762, de 2003, criada pela Comissão de Educação e Cultura.

A ideia, segundo documento publicado pela Câmara dos Deputados Brasileiros, era “oferecer à sociedade um instrumento de valorização da cultura popular como elemento fundamental na constituição da identidade brasileira. Por meio da previsão anual da comemoração da data, na forma de eventos culturais e atividades festivas, as iniciativas propõem o resgate e a valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”.

A data escolhida também tem uma justificativa nacional. Segundo os idealizadores da proposta à época, o deputado federal Chico Alencar, (PSOL – RJ) e a vereadora de São José dos Campos Ângela Guadagnin (PT – SP), a data escolhida foi o dia em que se festeja o Halloween, nos Estados Unidos. Portanto, dia 31 de outubro, também conhecido como “Dia das Bruxas” foi a data escolhida.

Importância do Saci-Pererê

O personagem Saci-Pererê é relevante para fortalecer a nossa cultura popular. Além disso, o personagem traz consigo características de valorização das culturais que formam o nosso país, como a africana e a europeia.

O personagem é rico em atributos imaginativos, o que o torna ainda mais especial, sobretudo, para a literatura infantil. Portanto, a lenda do Saci-Pererê deve ser cultivada, divulgada e apresentada em sala de aula, eventos e manifestações culturais.