A superexposição às tecnologias, em idade na qual a criança não desenvolveu competências básicas para interagir com seu meio, é associada ao déficit do funcionamento executivo e da atenção, atrasos cognitivos, prejuízo da aprendizagem, aumento da impulsividade, irritabilidade e agressividade. Bebês e crianças pequenas precisam interagir com outras pessoas. O apego às telas, de qualquer aparelho, traz o risco de causar desengajamento e vulnerabilidade, assim como poucas aptidões sociais e diminuição da capacidade de expressar empatia.
Mas, reconhecendo que o mundo digital já é a linguagem da criança de hoje, fazendo parte até mesmo dos conteúdos escolares e dos meios para acessá-los – basta reparamos que se usa cada vez mais a digitação no tablete como substituta da escrita e a pesquisa na internet como substituta dos livros –, devemos pensar nos cuidados necessários para permitir seu acesso por crianças pequenas.
Para começar, evite o uso de tablets e smatphones antes dos 3 anos. A partir dessa idade, com maior compreensão e expressão, habilidades motoras e de socialização, a criança pode se beneficiar dos conteúdos de aplicativos direcionados à sua faixa etária. Mas atenção com jogos e programas muito rápidos, confusos e barulhentos – eles podem ser assustadores. Prefira aqueles com proposta educativa.
Cabe aos pais selecionarem os apps e monitorarem o tempo de uso de qualquer dispositivo eletrônico. Nessa fase, não mais do que 60 minutos por dia, até porque o tempo de atenção e concentração delas a qualquer atividade é bem mais curto que os do adulto.
Não vale abusar da curiosidade natural da criança e deixá-la brincando indefinidamente com os dispositivos, com a ideia de que assim ela ficará
quietinha e não incomodará os mais velhos, quando estes estão conversando ou querem jantar sossegados, por exemplo.
Os adultos são os modelos das crianças para apreender como as coisas funcionam. Se os pais fazem uso indiscriminado da tecnologia no dia a dia e não dispõem de tempo para dar atenção focada aos filhos, estes tenderão a se refugiar nos aparelhos como forma de se ocupar e obter alguma satisfação mais imediata. Só que, dessa forma, criam um hábito que, além de ser prejudicial, não elimina a frustração de um contato desatento e pouco receptivo com os pais. É preciso reservar parte do tempo para as brincadeiras “corpo a corpo” com a criança. São elas que ajudam a fortalecer a autoestima, a criar o sistema de valores, a tranquilizar e a dar segurança.
Também não devemos vincular algo da rotina da criança ao uso da tecnologia, principalmente quando se trata de atividades essenciais até à sua saúde – é muito ruim quando a criança só dorme ou só come se puder ver um desenho no tablet ou brincar com o celular. A autoridade dos pais para colocar limites é essencial para dar o valor de cada uma dessas experiências.
Considere que nessa primeira infância os dispositivos tecnológicos são meios bem interessantes de agregar aprendizagem à criança, mas nunca substituem as experiências concretas com as pessoas e as situações do seu entorno — estas, sim, primordiais para a sua formação.
*VERA FERRARI REGO BARROS é psicanalista e presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
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